A Vale tem se destacado
entre as empresas que tem doado mais recursos para o Brasil neste momento de pandemia de coronavírus. Já são 500 milhões de reais, segundo o Monitor das Doações Covid-19. A boa ação, porém, contrasta com o fato de dez municípios mineiros que dependem dos recursos da mineradora ficarem à míngua em plena crise da covid-19. Barão de Cocais, Belo Vale, Congonhas, Itabirito, Mariana, Nova Lima, Ouro Preto, Rio Acima, São Gonçalo do Rio Abaixo e Sarzedo tiveram uma queda brusca das receitas referentes aos royalties do minério. Desde o rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho, em janeiro de 2019, que matou 270 pessoas, várias operações da mineradora começaram a ser parcialmente paralisadas e algumas suspensas em outras cidades do Estado, que viram seus recursos financeiros despencaram com a redução brusca do recolhimento da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), que representa uma fatia importante da arrecadação desses municípios. Em Brumadinho, por exemplo, a compensação corresponde a 60% da arrecadação total.
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A mineradora que paga um custo alto de imagem pela tragédia, tem se vinculado a ações de combate ao coronavírus, mas não prioriza ajuda aos municípios, segundo Vitor Penido (DEM), prefeito de Nova Lima e presidente da Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil (AMIG). Penido diz que as cidades reconhecem a “postura da Vale de ajuda humanitária ao povo brasileiro” ―como a doação de EPI’s, construção de hospitais, suporte aos fornecedores entre outras ações―, que foram amplamente divulgadas pela mídia, mas pede que a mineradora também se sensibilize com a situação enfrentada pelas cidades mineradoras que dependiam da operação da empresa. “Ora, não deveria ser também esta pauta tratada pela Vale com total prioridade por coerência? Sobretudo neste momento de plena efervescência da covid-19, inclusive nos territórios onde a empresa exerce suas operações, o enfrentamento da pandemia se dá majoritariamente pelas ações de saúde pública, assistencialismo e suporte econômico às atividades de menor porte, financiadas principalmente pelo poder público municipal”, afirma no documento.
“A Vale é muito boa de marketing, quem assiste às propagandas acha que eles estão ajudando todo mundo, mas não é nada disso”, diz o prefeito de Brumadinho, Avimar Barcellos. A cidade que ainda digere a tragédia do ano passado recebe da mineradora um repasse mensal compensatório pela paralisação das atividades da mina Córrego do Feijão de 3,3 milhões de reais por mês, que deve durar até o fim deste ano. Mas vive um embate para garantir o auxílio emergencial mensal que foi acordado para ser pago pela mineradora a todos os moradores desde o rompimento da barragem. Até dezembro do ano passado, cada adulto ganhou, por mês, um salário mínimo, adolescentes, meio salário e crianças, cerca de 250 reais. A partir deste ano, no entanto, só os moradores diretamente atingidos continuaram tendo o repasse integral do benefício e o resto da população teve um corte de 50% do auxílio.
No mês de maio, uma nova decisão da Vale gerou revolta na cidade. A mineradora anunciou que irá pagar o auxílio integral a nove bairros, o que indignou os outros moradores que pedem há meses que todos voltem a receber a totalidade do benefício. Em plena pandemia, um grupo saiu na rua para protestar contra a mineradora. Um dos manifestantes carregava uma faixa com os dizeres: “A covid-19 mata e Vale também, lutem contra esses males”. De acordo com a Vale, a decisão de pagar o benefício cheio para alguns bairros levou em conta a proximidade das comunidades com o epicentro de impacto causado pelo rejeito que escoou da barragem, bem como a proximidade com as obras de reparação.
Mas a decisão foi insensível, aos olhos do prefeito. “O que a Vale está fazendo com Brumadinho é uma covardia, decidindo agora pagar metade da cidade 100% do auxílio e a outra só 50%, sem explicar exatamente o porquê”, diz o prefeito ao EL PAÍS. “Tentou justificar que era pela construção de uma adutora, mas ela não irá passar em bairros que voltaram a receber o auxílio integral. Isso revoltou a população”, completa. A situação já está pelo fechamento dos comércios inerente à pandemia.
No mês passado, a prefeitura chegou a escrever uma nota oficial de repúdio à mineradora, em que expressava indignação “à postura de desrespeito que a Vale tem tido com o município e seus moradores”. “Faz publicidade de investimentos em hospitais em Minas, realiza compra de Kits para Exames Rápidos da covid-19 e nega, para Brumadinho, a doação dos mesmos kits (…) [A Vale] sequer se importou com a instalação do Hospital de Campanha ou com o reforço do sistema público de Saúde do município”. A nota criticava ainda que a empresa não respeitava as regras de isolamento nas obras de reparação, expondo trabalhadores ao risco de contaminação pelo coronavírus e comunicava que a prefeitura havia suspendido o alvará de funcionamento da mineradora e das terceirizadas. Poucos dias depois, os efeitos do decreto foram suspensos pela Justiça.
Após publicação da nota, a mineradora anunciou a doação de 2.400 kits de teste rápidos para Brumadinho, que, de acordo com a prefeitura, servirão para testar apenas 6% da população de cerca de 40 mil habitantes. Além dos testes, a mineradora doou luvas, aventais, máscaras N95 e álcool gel e frascos. “A Vale chegou a negar teste rápido para Brumadinho. Depois que falamos na imprensa, que saiu a nota eles fizeram a doação. Mas ainda é pouco, precisamos de mais.
Acordo com municípios
Em abril do ano passado, a companhia chegou a fazer um acordo com os dez municípios ― Barão de Cocais, Belo Vale, Congonhas, Itabirito, Mariana, Nova Lima, Ouro Preto, Rio Acima, São Gonçalo do Rio Abaixo e Sarzedo ― para mitigar parte das perdas financeiras de 2019 dessas cidades. Repassou um total de 258 milhões de reais. O pagamento foi realizado em três parcelas e quitado em janeiro. Neste ano, no entanto, não houve ainda nenhuma decisão sobre a continuidade deste auxílio financeiro.
“Aguardamos da mineradora um promissor retorno para que os municípios suportem mais essa crise”, afirma Waldir Salvador, consultor da Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil (AMIG). Segundo Salvador, não havia nenhuma previsão de paralisação das operações da Vale no plano de aproveitamento econômico da mineradora para a exploração desses territórios. “Logo, não há razão para a Vale suspender esse compromisso”, diz o consultor, que ressalta que os municípios mineradores não querem viver de doação, mas sim de produção.
Em um ofício mandado à mineradora, Vitor Penido (DEM), prefeito de Nova Lima e presidente da AMIG, destacou que o fato da empresa não retomar as operações acarreta, além da queda da arrecadação da CFEM, perda direta e indireta de outros impostos, como o ICMS ( Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Serviços) e ISS (Imposto Sobre Serviços). Nesta quarta-feira, 10 de junho, uma nova reunião entre a AMIG e a Vale será realizada para tratar do tema.
Procurada pela reportagem, a mineradora afirmou que a empresa mantém diálogo aberto com os municípios e, “como resultado desta escuta ativa, já repassou uma ajuda financeira temporária de 258 milhões de reais aos municípios até o momento”. A Vale não respondeu, no entanto, se o auxílio continuará neste ano. Segundo a mineradora, o plano de retomada das operações nos complexos de Timbopeba, na região de Ouro Preto, Fábrica e Vargem Grande, em Nova Lima, está em andamento mais lento do que o previsto dada a pandemia. Já a planta de Brucutu continuará operando com cerca de 40% de sua capacidade.
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